quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O Moço

Vesgo belo, dum olho verde outro azul. Do céu um, da terra outro. Vê em misterioso olhar, ninguém lhe decifra o rumo, nem o interesse. Abre sorriso, fecha o sobrolho, irriga a face com intenções gentis, irrita-se com o tempo e, amando, é outro a cada amor. Desatina o coração no aperto dum dia que não acaba e fica torto de si, se não dá para mais um beijo. Tenta renegar os desacertos sabendo-se melhor a cada erro. Desta, que mão, daquela um toque e, se mais lhe toca, vai desdizendo, desdenhando e aproveitando muito do pouco que lhe sobra.
Anel no dedo, o dedo na viola, o brilho das cordas com o do ouro, mistura alegre, musicando noites pendentes de janelas meigas. É caro o anel. O rapaz sabe o preço. Desse preço deve pouco, uns trocados. Carrega na carteira o cobrimento desse quase nada. Era d’outro lugar. Sabia ter saudade e amava diferente.
A calça colada nas coxas fortes é de brim na lida, linho no luxo. Camisa aberta, de seda ela, em pele macia com penugem insinuante. Ajeita o chapéu com gesto discreto. Relaxa a perna e enfia a mão pela abertura da camisa, entrecoça e brinca com o peito maçudo. A mesma mão desce e agarra o saco num gesto despreocupado de tesão anunciado.
Cospe de lado. Lambe os beiços carnudos. Rebrilha com luxúria os lábios umedecidos.
Caminha maneiro, passos quase dançantes.
A bunda carnuda e redonda rebola harmonicamente, prum lado, proutro. Num desajeito elegante chuta uma pedra e sorri mistério e pensado bom. É dele o caminho, no qual cabe como de encomendado corte.
Quebra um galhinho e o enfia na boca. Encanta de então mais uma dança a dançar em si, da bunda aos ombros, dos passos ao galho, da língua à mão no saco. Ele é conjunto com o vento da tarde, as cores do poente e o rumor dos passarinhos, todo movimento da vida como ela quer desenhar-se ali.
Agacha-se à beira do riacho. Arregaça as mangas até os sovacos, e lava-se com langor. Não dá pra dizer se usa a água para refrescar-se ou como unto para uma auto-massagem, de tão suave lhe correm os dedos na pele e entre os pelos.
O vermelhão do sol que despenca de ser dia acentua o moreno do caboclo, dá-lhe rebrilho de metal precioso, une-o ao anel e à pedra dele.
Onaldo Alves Pereira

Um comentário:

  1. Nossa que lindo poema! 1ª vez que o vejo. Fala de amores, "desamores", vida, conflito... Muito lindo.

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