sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Água boa
Pançudo, vinha cheio de si numa camiseta branca apertada. Era barriga para mais de um. Era avantajado o perfil e, descomposto o porte do moço. Tranqüilo, não dava parte de achar-se barrigudo. Comia como bem lhe apetecia, vestia o que os olhos lhe pediam e, dançarino manhoso, freqüentava a noite com sucesso. Namoradas não lhe faltavam e nem sofria falta de graça. Risonho, balançava a pança com gosto, num ritmo alegre, convencendo beleza nela.
Viera de longe. Buscava uma água boa. Sabia que matando a sede com água boa seria feliz redondo.
De ouvir dizer chegava, provava a água e partia. Nenhuma lhe apetecia. Salobras umas, ferrosas outras, sabendo a barro algumas, tinha aversão ao amarelo e não tolerava o sabor de cloro. Desesperava já de sua busca quando deu com uma currutela num pé de serra. Lá chegava depois a novidade, já velha a manchete, jornal de dois dias. Passava ao largo a modernidade e poucos moradores de lá haviam visto de perto um computador.
Ali havia uma fonte de água mineral, vinha aos gorfões duma reentrância da rocha do lado da serra que fazia sombra sobre a última rua da cidade. Não jorrava a fonte. Fazia uma pausa entre uma gorfada de água e outra, parecendo, às vezes, que desse intervalo não se recuperasse mais. Uma lagoazinha de água cristal escuro, funda como quê, recebia da rocha amuada o dom e respondia tanto quieta que assombrava as imaginações mais fracas.
Um gole só convencera o moço. Era boa redondo essa água. Tinha ela um fresco, sua textura era macia que sumia, seu sabor brincava na alma folguedos antigos e ele não duvidou. Arrumou o que fazer, conheceu gente, arredou da memória os rumos outros e deu a mala a um estudante que partia. Os caminhos da serra logo tinham ciência de seus pés. A noite. A lua abrindo o céu. Estrelas no chão e no cume das árvores. O cheiro de comida caseira dizendo as horas. A água, convencida, dissera ao rapaz que tudo aquilo era novo a cada momento por força dela, água. Que o sorriso da dona, que num pote carreava água antes que o sol amornasse o ar, alindava mais a fonte, ele não sabia sabendo.
Ela pousava o pote na pedra chata que a água lambia preguiçosa. Mãos espalmadas sentia o tecido da água. Sorria dum jeito meigo. Tomava o pote da água empanturrado e erguia nos ombros. A dona, então, se dignava olhar o moço e sorrindo ainda, era toda movimento, um pouco luz, um tanto líquida, cheirando a capim gordura, passos conhecidos do chão... e o moço ficava, que a água deveras era boa.

Onaldo Alves Pereira

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