sábado, 10 de janeiro de 2009

A mãe do mundo
Você e essa sua boca! A mãe do mundo apareceu na ponta do som de seu nome, dito num pouco de sopro. Jaquíria! Dissera ao soprar a brasa do fogareiro e, antes que contasse o caso, ela pusera o pé na soleira da porta.
Moradora de vida toda num rancho beira-chão, bebeu e lavou-se da mesma água corrente que, por conta disso mesmo, renovava-se. Assoprando a garrafa de Tatuzinho que esvaziara no cio, paria e paria, como se o corpo lhe pregasse peças sem graça.
Com seus dentes fortes traçava a cana mal cascada e deixava o caldo escorrer pelos seios fortes até a vagina quente que o bebia sedenta. Dos muitos que conhecera, dois machos sabiam o doce desse doce. Línguas grandes e macias desciam lambendo a garapa até o ponto onde o sabor agridoce anunciava a mistura dos cios.
Dona de labuta, pegava terra para formar. Derrubava a mata no machado, limpava com fogo e sabia a hora de por a semente no chão. Jacás de milho no paiol, tuia derramando arroz e feijão e, muita fruta, tirava do muque forte. Dessa força tirava o poder da parição!
Cortava os resguardos pelo meio e cansava de inventar nomes. A terra arrepiava com os golpes de seu enxadão e ficava tesa de susto com cada barrigada que ela derramava na esteira. Tanta gente e tanta vontade de lavrar. Não tinha apelo, manchados, a esteira e o chão, já não se limpavam mais da nódoa de sangue e do líquido uterino.
Ela tinha a palavra! Famosa pela sua força, era temida pelos machos da redondeza, servidos que eram com facilidade, também, se não agradavam, podiam sair-se com as partes machucadas. Ela fazia o tempo e o ritmo, domava a fera que sobre ela arfava na viagem do tesão. Só não controlava ela, o resultado desses encontros e paria. Quantos filhos tivera, ninguém sabe, talvez nem ela.
Velha como aquele canto do mundo era conhecida como a Mãe da Terra, ou simplesmente a Mãe.
Chegada, tomara assento e fora logo pondo o verbo na roda, dizia o que lhe apetecia e repetia pior tudo o que ouvia.
Mentia com ar de superior conhecimento de causa e desafiava que lhe provassem o contrário.
Temida e rida, rompia os eitos como criava seu mundo, fatal maternidade e, frutificando do cio que recebia da terra, sua filha.
Chegara na pronúncia de seu nome e não dizia que haveria de partir. Assim é a Mãe!
Onaldo Alves Pereira

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