- Tá, dizia a mulher, e emendava a prosa com tanto verbo quanto lhe fornecesse o miolo. Falava que nem a boca, havendo ouvinte ou não, era dela a palavra, esse comichão misterioso. Se faltava assunto repetia antigos, que arquivos tinha de montão.
Tá, era a tesoura com que cortava o dizer de qualquer um. Nada lhe interessava mais que a própria opinião. Se não sabia algo verbalizava os próprios questionamentos ao infinito. Perguntava, mas não esperava nenhuma resposta. Ela odiava televisão porque não dava espaço à sua conversa. Novela e filme até que ia, ela enfiava na trama o seu papel. Dizia o que os protagonistas deviam ter dito, feito ou, explicava a quem estivesse por perto o que acontecia na tela.
Nunca atinava, a Dona, que alguém pudesse entender qualquer cena sem a sua demão. Achava-se generosa por estar disposta a esclarecer os motivos ocultos do galã, os sentimentos da mocinha e os possíveis desdobramentos do enredo. Com música era a mesma coisa, explicava a letra, contava a vida de quem cantava e fazia a sua crítica, nem sempre favorável. A tudo podia acrescentar seus reparos.
Ir ao médico era outro acontecimento. Gostava dos que faziam perguntas, curtas, óbvio. Detestava os que queriam explicar a situação. Com um “tá” enfático ela cortava o doutor e partia para expor o seu diagnóstico, sempre mais prolixo e detalhado.
Converteu-se a crente, mas logo desviou-se do aprisco. Não dava conta de ouvir sermão sem dizer nada, sem corrigir o pobre pastor. Fazia isso baixinho para quem estivesse por perto. Acabou exorcizada um bom punhado de vezes. Só podia ser demônio, aquele descontrole.
Resolveu assumir seus exus e foi para um terreiro. Lá também não deu certo, levou pito dos dirigentes, colocaram-lhe um ebó e ela descrençou. Voltou ao catolicismo, passou a freqüentar uma paróquia grande onde era comum um zunzunzum durante a missa e lá fez-se em casa. Além disso, descobriu a confissão, maravilhoso sacramento e, doravante, esmerou-se com empenho a pecar e quando não tinha estoque suficiente de pecado, inventava e, depois, confessava que inventara, repetindo detalhadamente cada invenção e o remorso que sentia por ter ficcionado em tão séria situação. Não elegeu um confessor, preferia ouvidos virgens e capazes de surpreender-se diante de sua capacidade de falar.
Só lhe assustava uma coisa, que a morte lhe tirasse a voz. Ainda bem que não faltavam médiuns!
Onaldo Alves Pereira
CRÔNICAS DE UM FUTURO IMPOSSÍVEL: #FinalDeCampeonato (S.1, EP. 2)
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*A história que segue se passa em algum momento de nossa História futura.
Dizem os astrônomos que estaremos na Era de Capricórnio, mas eu duvido de
qualque...
Há 7 anos
Muito bonito o Blog. Bem Clean e de fácil leitura.
ResponderExcluirSucesso
Beijos
http://king-of-notebook.blogspot.com/
continue sempre divulgando seu trabalho nos blogs, editoras de livros estão procurando talentos na blogosfera
ResponderExcluirMuito bom, adoro esses textos de detalhes de uma vida.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirDona boa de prosa essa... (rs)
Gostei!!!
Abração.
Muito bom!
ResponderExcluirDona boa de prosa essa... (rs)
Gostei!!!
Abração.
Muito bom!
ResponderExcluirDona boa de prosa essa... (rs)
Gostei!!!
Abração.
Ah, as mulheres. Mesmo com essas características que lhes são peculiáres (mas nãoexclusivas), não vivemos sem elas.
ResponderExcluirNossa adorei o blog
ResponderExcluirVoçê escreve muito bem
Esse texto e seu ??
Se for está de parabens
adorei o blog...
ResponderExcluirlegal o texto, vc q' escrev?
parabens...
voltarei maix vzs...
espero vc no meu:
Guarde Para Os Dias de Chuva
http://guardeparaosdiasdechuva.blogspot.com/
abrçs...
Que lindo texto, vc escreve muito bem!! Parabéns!!
ResponderExcluirBeijinhos de Rozangela Melo
Se quiser retribuir a visita, fique à vontade…
Fazemos cinema amador
Visite nossso blog
Quantas pessoas, sobretudo políticos, deveriam ler esse texto!!!Vc. continua se superando pelo humanismo!Adoro suas mensagens mesmo quando não as comento.
ResponderExcluirMuita paz e criatividade pois é isso que o torna sempre mais HUMANO, tirando dos acontecimentos comezinhos as grandes lições pois é aí que elas jazem!
Surpreendente, Onaldo! Muito, muito bom e criativo. Ah, quanta gente há assim por aí...
ResponderExcluirabç