segunda-feira, 25 de maio de 2009

- Tá, dizia a mulher, e emendava a prosa com tanto verbo quanto lhe fornecesse o miolo. Falava que nem a boca, havendo ouvinte ou não, era dela a palavra, esse comichão misterioso. Se faltava assunto repetia antigos, que arquivos tinha de montão.
Tá, era a tesoura com que cortava o dizer de qualquer um. Nada lhe interessava mais que a própria opinião. Se não sabia algo verbalizava os próprios questionamentos ao infinito. Perguntava, mas não esperava nenhuma resposta. Ela odiava televisão porque não dava espaço à sua conversa. Novela e filme até que ia, ela enfiava na trama o seu papel. Dizia o que os protagonistas deviam ter dito, feito ou, explicava a quem estivesse por perto o que acontecia na tela.
Nunca atinava, a Dona, que alguém pudesse entender qualquer cena sem a sua demão. Achava-se generosa por estar disposta a esclarecer os motivos ocultos do galã, os sentimentos da mocinha e os possíveis desdobramentos do enredo. Com música era a mesma coisa, explicava a letra, contava a vida de quem cantava e fazia a sua crítica, nem sempre favorável. A tudo podia acrescentar seus reparos.
Ir ao médico era outro acontecimento. Gostava dos que faziam perguntas, curtas, óbvio. Detestava os que queriam explicar a situação. Com um “tá” enfático ela cortava o doutor e partia para expor o seu diagnóstico, sempre mais prolixo e detalhado.
Converteu-se a crente, mas logo desviou-se do aprisco. Não dava conta de ouvir sermão sem dizer nada, sem corrigir o pobre pastor. Fazia isso baixinho para quem estivesse por perto. Acabou exorcizada um bom punhado de vezes. Só podia ser demônio, aquele descontrole.
Resolveu assumir seus exus e foi para um terreiro. Lá também não deu certo, levou pito dos dirigentes, colocaram-lhe um ebó e ela descrençou. Voltou ao catolicismo, passou a freqüentar uma paróquia grande onde era comum um zunzunzum durante a missa e lá fez-se em casa. Além disso, descobriu a confissão, maravilhoso sacramento e, doravante, esmerou-se com empenho a pecar e quando não tinha estoque suficiente de pecado, inventava e, depois, confessava que inventara, repetindo detalhadamente cada invenção e o remorso que sentia por ter ficcionado em tão séria situação. Não elegeu um confessor, preferia ouvidos virgens e capazes de surpreender-se diante de sua capacidade de falar.
Só lhe assustava uma coisa, que a morte lhe tirasse a voz. Ainda bem que não faltavam médiuns
!

Onaldo Alves Pereira

12 comentários:

  1. Muito bonito o Blog. Bem Clean e de fácil leitura.

    Sucesso

    Beijos

    http://king-of-notebook.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. continue sempre divulgando seu trabalho nos blogs, editoras de livros estão procurando talentos na blogosfera

    ResponderExcluir
  3. Muito bom, adoro esses textos de detalhes de uma vida.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom!

    Dona boa de prosa essa... (rs)

    Gostei!!!

    Abração.

    ResponderExcluir
  5. Muito bom!

    Dona boa de prosa essa... (rs)


    Gostei!!!


    Abração.

    ResponderExcluir
  6. Muito bom!

    Dona boa de prosa essa... (rs)


    Gostei!!!


    Abração.

    ResponderExcluir
  7. Ah, as mulheres. Mesmo com essas características que lhes são peculiáres (mas nãoexclusivas), não vivemos sem elas.

    ResponderExcluir
  8. Nossa adorei o blog
    Voçê escreve muito bem
    Esse texto e seu ??
    Se for está de parabens

    ResponderExcluir
  9. adorei o blog...
    legal o texto, vc q' escrev?
    parabens...

    voltarei maix vzs...
    espero vc no meu:
    Guarde Para Os Dias de Chuva
    http://guardeparaosdiasdechuva.blogspot.com/

    abrçs...

    ResponderExcluir
  10. Que lindo texto, vc escreve muito bem!! Parabéns!!
    Beijinhos de Rozangela Melo
    Se quiser retribuir a visita, fique à vontade…
    Fazemos cinema amador
    Visite nossso blog

    ResponderExcluir
  11. Quantas pessoas, sobretudo políticos, deveriam ler esse texto!!!Vc. continua se superando pelo humanismo!Adoro suas mensagens mesmo quando não as comento.
    Muita paz e criatividade pois é isso que o torna sempre mais HUMANO, tirando dos acontecimentos comezinhos as grandes lições pois é aí que elas jazem!

    ResponderExcluir
  12. Surpreendente, Onaldo! Muito, muito bom e criativo. Ah, quanta gente há assim por aí...

    abç

    ResponderExcluir