quinta-feira, 26 de março de 2009

Barra de chocolate

Toda vez que a menina levava a barra de chocolate à boca seus olhos esbarravam com a carranca da mulher sentada à sua frente e a sua mão não conseguia alcançar a boca. Sentia como se estivesse fazendo o mais obscuro dos atos, tão eloqüente era a reprimenda vinda daquela cara ensimesmada e adstringente. O sabor do chocolate era a transgressão. Nada mais impuro diziam-lhe aqueles olhos semicerrados, puxando que vinham, de longínquas ancestralidades, a avaliação final e definitiva do ato da menina. “Do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”, nesse retumbante mandamento os seus olhos ancoravam a longa linha de nãos, nãos e nãos que coibiam a volúpia degradante dos sentidos. E a menina sentia derreter-lhe entre os dedos a barra de chocolate...
Onaldo Alves Pereira

Ordem perfeita

Na ordem perfeita de seus átomos o barro é o que é. A mão do oleiro dá forma ao barro, unindo a vontade do mesmo com a ordem dele, num encontro criador.
Esse encontro da ordem com a vontade cria o mundo, como também o caos.
Na união da liberdade com o sentido está a organização perfeita.
No absoluto que se deixa moldar está a beleza da criação.
Deus faz o barro e chama o oleiro para que o molde em utilidade, beleza e organização.
Onaldo Alves Pereira

terça-feira, 24 de março de 2009

Colo ao caos criador

Deus oferece colo seguro ao caos criador. Nos avanços e retrocessos, Deus ampara os extremos para que nada se perca definitivamente. Toda a matéria continua à disposição das forças dinâmicas, paradoxais e indomadas que agem no Universo.
A criação e a destruição são visões parciais e artificialmente descritas como antagônicas, de um todo que se organiza e desorganiza num mesmo momento, num mesmo ato.
Como achar bondade e alegria nessa dança assimétrica e imperfeita?!
Ora, queremos ver nisso a integridade divina em seu agir criador. A bondade está no alívio de não ter que conviver com um dualismo que pretende separar o inseparável, hierarquizando os seres conforme o conceito de perfeição predominante.
O crocodilo devora o peixe? A serpente pica, injeta seu veneno e mata mesmo o que não pode comer?
Durante uma refeição mastigamos milhões de criaturinhas vivas?
Uma moça bela e rica vive do bom e do melhor e mesmo assim se aborrece?
Tantas contradições e horrores a vida não nos oferece no mesmo espaço onde prosperam o bem e a alegria?!
Tudo está entrelaçado e é parte de algo mais que agora não podemos entender. Algo moralmente indiferente, mas sujeito à nossa intervenção, como o barro à mão do oleiro.

Onaldo Alves Pereira

Pasmaceira

Pasmaceira da mente, gente sem alma, vivendo por força do hábito.
Tudo sempre o mesmo. Nada aberto. A coisa envolvida em si mesma.
Saber incomoda, aprender complica. Melhor o silêncio da ignorância.
Gente pasma de ser quem é o outro, igual a todos. Mesmo assim, acomodada nessa morte vã.
Sair dessa, como? Soltar-se de pensar igual, repetir o falar, ter que o que todos têm que.
Que pode ser diferente, pode. Tire os olhos das medidas exteriores, afine os sentidos para provar por si mesmo e solte a imaginação.
Verá, então, que interessante você há que ser desafio grande para si mesmo. Tanto que, de pasmaceira, há de estar pasmo com a maravilha que é!
Onaldo Alves Pereira

sexta-feira, 20 de março de 2009

Vento tonto

O vento bate nos paredões de pedra
e cai tonto no capim seco
que o sacode e empurra
pra outro rumo.


Onaldo Alves Pereira

A fruta



A fruta mordida entrega–se
mole ao apetite
e seu sumo sobra profuso
pelos cantos da boca.


Onaldo Alves Pereira

quinta-feira, 19 de março de 2009

Fio

Dum fio a outro pendiam panos. Velharias de cores lavadas, rasgos grandes, remendos de tecidos os mais variados. No meio de tudo, uma camisa da mais alva brancura. Salta aos olhos o novo dela, a qualidade do material e do feitio. É, sem dúvida, de primeira.
A mulher, sentada, olhava o arranjo e desfiava uma palha de milho. Fazia uma bucha de palha.
A lida do dia-a-dia era do pouco muito fazer. Pouco na quantidade, muito na ocupação. Do cedo amanhecer até quando o corpo agüentava, estava ocupada a mulher. Cuidava muito dos outros e pouco de si. Tomava conta da casa, de quem passava por ali e das vizinhas em grandes tribulações.
Entravam anos que não saíam, ficavam no seu corpo e devoravam as suas carnes por dentro. Sentia os efeitos desse entupimento mesquinho, pesavam-lhe os membros, esquecia fácil o encadear das tarefas, tinha pontadas nos pés e nas juntas das mãos. Era ainda nova na contagem das eras, mas envelhecia no arremate das pelejas, nos sentimentos arrevesados que atavam nós impossíveis em seu peito.
Fazia, ouvia, agüentava, era a primeira a ter mão nas coisas e a última a retirar o que sobrava de tudo, fosse de festa ou de velório.
Os trapos na linha eram seus e representavam muito bem a sua história, o pouco que dela fora sobrando. Dependurados sem muita ordem, haviam perdido a memória, mas não a linha que os segurava de um nada a outro nada.
Aquela camisa era do defunto que lavara por último. Fazia isso também, de favor. Era parteira, benzedeira e enterradeira.
Onaldo Alves Pereira

Peregrinava em busca de Deus

Por muitos anos, enquanto peregrinava por muitas religiões e filosofias, definia esse processo como uma busca de Deus. Queria descobrir onde Deus pudesse estar mais à vista, menos coberto com as roupagens que lhe emprestamos com nossas crenças. Sempre cheguei de volta a um mesmo endereço, ao ser que vive, a mim mesmo, ao mundo. Desconcertado com essa conclusão, partia de novo, apressadamente, atrás de novas fórmulas, embora desconfiasse, cada vez mais, que eram apenas embalagens que, ao invés de mostrar o conteúdo o escondiam com véus, arcas, doutrinas, dogmas, mistérios etc. A estratégia desse jogo parece ser a da criação de “donos de Deus” ou, pelo menos, de “suas roupas”, de “suas moradias”. Mestres, profetas, gurus, salvadores, avatares: todos deliram, querendo convencer-nos de que precisamos de uma ponte de nós para nós mesmos. Muito poder é construído em cima dessa ilusão.
Deus, fazendo-nos, é a Vida de nossa vida. Ficasse Deus ausente de nosso ser, um milionésimo de segundo que fosse, nos desintegraríamos e nem lembrança nossa restaria. Deus, não importa o nome, a falta de nome ou a descrença, o número ou a veste que lhe emprestamos, é um fato em nós, a própria Vida.
Na minha peregrinação cheguei onde sempre estive. Compreendi que mais do que encontro, comunhão ou coisa que o valha, sou em Deus e, nisso descanso.
Onaldo Alves Pereira

Quão gracioso o caminho que se desdobra em mil para não deixar ninguém de fora!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Tristeza

Reconhecemos que no mundo tem muita tristeza. Sentimos em nós mesmos o peso da tristeza.
Como não entristecer-se com as situações trágicas que a ignorância cria no mundo? A fome, a destruição do meio ambiente, a violência, a corrupção etc., tudo como uma mancha feia num tecido lindo, descombinando e chocando.
Há que se proibir a tristeza, tornar vergonhoso o choro, indigno o lamento? Claro que não! A tristeza ajuda a ver o contraste, a perceber que a ignorância não combina com o que todas as pessoas entendem como a verdade do mundo.
E aquelas contradições que estão além das explicações fáceis, as doenças, as separações e as fatalidades? Não nos resta a não ser uma profunda tristeza diante desses fatos.
Deus faz-nos com a capacidade de nos entristecermos, cria-nos seres que choram, da mesma forma que também rimos, alegramo-nos e temos prazer.
Choramos e rimos no colo de Deus. A tristeza que nos abate também nos aconchega nos braços de Deus. A certeza do amor de Deus dá-nos a licença de sermos plenamente humanos, inclusive em nossa tristeza.
Não fique triste! Não chore! Ouvimos isso como ordem, não se permite a expressão da dor como se isso fosse vergonhoso. Pelo contrário, a tristeza é uma expressão genuína e bela da alma humana.
Grandes obras de arte e muitas músicas inspiraram-se na tristeza. O drama e a dor têm ajudado o ser humano a desenvolver a sua sensibilidade e aprofundado a sua busca de Deus.
É importante respeitar a tristeza dos outros seres mesmo sem, às vezes, entender seus motivos. Nesses momentos ouvir, ser ombro amigo e ajudar na possível solução da dificuldade é o nosso papel.
A tristeza espiritual, que vem da solidão, que tem raízes profundas e misteriosas é parte da vida de todas as pessoas. Aceitá-la como experiência humana comum já ajuda muito.
Curtir, contudo, a tristeza, como estado permanente de espírito é uma doença e carece de tratamento. Precisamos, também nisso, buscar um equilíbrio.
Finda essa nossa jornada, quando tivermos aprendido a lição e avançado para outro nível, a tristeza será apenas lembrança. Que essa lembrança seja preservada em arte, música e poesia.
Aceitar a tristeza significa também ser capaz de superá-la. Quem melhor aceita uma situação, melhor pode resolvê-la. Esperemos que quem chora, ponha pra fora todas as lágrimas e, então, proponhamos uma alegria como o próximo passo. Nisso Deus sorri!
Onaldo Alves Pereira

segunda-feira, 16 de março de 2009

Pisa com cuidado

Pisa com cuidado para não machucar, para deixar apenas sinais alegres, para fazer trilhas que sirvam a outros, para apagar as cicatrizes que deixaram antes, para despertar possibilidades boas! Pisa bem, pisa para mais, pisa leve, com a alma e, dela, deixando o melhor onde for.
Onaldo Alves Pereira

A maior causa de sofrimento humano é a ignorância

A maior causa de sofrimento humano é a ignorância. Sofre-se por não saber. O não entendimento das coisas desestabiliza a capacidade de lidar com elas com sentido e isso faz sofrer.
Aumenta esse sofrimento a solidão. O não saber individual enfraquece a auto-estima, desencadeia as comparações, estimula a auto-depreciação e favorece o pânico.
Apesar da oferta de um credo que supostamente deveria responder a todas as grandes questões existenciais, a comunidade religiosa é de fato uma associação de ignorantes. Na união cria-se uma impressão de certeza. A consciência de ignorância é minorada pela vontade coletiva de saber, que se traduz numa elaboração de fé que não é o mesmo que conhecimento.
Esse esforço tem a sua eficácia abalada e os resultados terapêuticos diminuídos quanto mais ela insiste numa certeza coletiva. Isso cria tensão, racha a unidade por desencadear uma necessidade de afirmação dessa certeza crônica de tal forma que, ao primeiro sinal de fraqueza da mesma, cria-se outra, ou faz-se uma diferenciação da velha. Daí os cismas e heresias presentes em toda a histórias de comunidades de fé.
Uma comunidade terapêutica seria mais eficaz em seu objetivo ao assumir o espaço da ignorância coletiva como fator existencial humano, com o qual nem sempre sabe agir.
Não sabemos, por isso sofremos e temos medo, o que nos une, em primeiro lugar.
Depois, se cabe uma certeza nessa comunidade, que ela seja elaborada coletivamente, seja benigna, não excludente, passível de ser questionada e, sobretudo, pequena.

Onaldo Alves Pereira

sexta-feira, 13 de março de 2009

Verdadeira liberdade

Só é livre de fato aquele que não pode mais ser senhor. Enquanto persiste a possibilidade de tomarmos o senhorio sobre algo ou alguém, nos colocamos também sob o domínio de outrem. O livre não precisa e nem consegue ser senhor. A liberdade pressupõe extinção de domínio, do outro ou nosso.

Essa liberdade começa dentro da gente, onde não temos mais que responder a quaisquer demandas, seja do medo, da necessidade ou do dever.
Só ama plenamente quem é livre assim.

Onaldo Alves Pereira

quarta-feira, 11 de março de 2009

Antes errar com liberdade

Antes errar com liberdade do que acertar em servidão. É preferível sofrer as conseqüências de um ato livre do que receber as bênçãos de uma obediência.
Só a liberdade desenvolve indivíduos amorosamente responsáveis e com a capacidade de progredir. A servidão sempre deforma o caráter e torna o bem uma penosa obrigação.
Só, de fato, faz o bem quem o aprecia e com liberdade opta por ele. O que vem da obediência às leis nunca passa da superfície e é frágil.
As sociedades mais avançadas são também as mais livres. As autoritárias e legalistas patinam num moralismo hipócrita.
O indivíduo que livremente inventa o seu bem e o constrói segundo a sua consciência é artista da vida. O que faz segundo lhe é dito realiza o pior serviço e sofre.
A matéria-prima da liberdade é o conhecimento, a beleza e o respeito. Com esse material a pessoa pode erguer a cabeça em sublime apreciação de si mesma e do mundo e, ser livre.
Onaldo Alves Pereira

Deus mulher

Deus, mulher caprichosa e
perdida na vaidade
diante do espelho
contempla sua face
e se maquia, retoca
faz e refaz as
linhas e as cores
que o espelho
generoso reflete.

Espelho, Universo,
no qual Deus
caiu na armadilha
de sua própria
beleza,
Amou o espelho
e nele absorvido
escravo, não
vê onde termina
o espelho e começa
sua face.

Basta contemplar
as estrelas, o oceano,
os montes, o sorriso
das crianças
o corpo de amantes
fazendo amor para se
medir o alcance da
loucura desse
Deus mulher.
Onaldo Alves Pereira

segunda-feira, 9 de março de 2009

O barro

No barro, o que parece ser a sua fraqueza, a sua maciez, é o seu potencial, o seu vir a ser.
Assim também somos entregues a nós mesmos como matéria prima. Deus nos prepara e deixa no ponto para que façamos de nós o nosso desejo. Nesse fazer entram os aspectos internos e externos da fábrica que nos produz.
Às vezes, o barro endurece e tem que ser molhado e amassado de novo. Noutras, fatores alheios à vontade arranham ou quebram a obra em andamento.
Continuamos, contudo, sempre uma possibilidade para melhor, uma oportunidade para a nossa arte de querer, sonhar e trabalhar.
Deus jamais negligencia o andamento de sua encomenda e auxilia no que pode e, quando necessário, para que não desande o seu final.
Onaldo Alves Pereira

Música

Música
Depois de alguns anos cortado da convivência com a música comprei, com dinheiro periclitante, um aparelho portátil de som, rádio e toca-fitas que escondi em meu pequeno quarto na casa da tia Tereza. Fiz essa aquisição em São Paulo, ano de 1982, de onde trouxe também algumas fitas cassetes, música mexicana, valsas brasileiras mais Manolo Otero e Nicola de Angelis.
Antes disso, nos anos de 1970, o Gilberto Guimarães, amigo daqueles tempos, esnobava o seu gravador e toca-fitas Dako tijolão e a sua vitrola portátil. O Cláudio Gonçalves, também dos amigos de então, e eu, tínhamos o privilégio de ouvir as Quatro Estações de Vivaldi na Vitrola do Gilberto, todos sentados confortavelmente em seu quarto. Nas datas especiais, aniversário de alguém da igreja do Gilberto, a Presbiteriana, ou de alguma afim – Batista, Cristã Evangélica etc. e, principalmente no Natal, acompanhávamos o Gilberto nas serenatas que fazia, usando seu gravador.
O prazer da música era imenso!
Naquela época os equipamentos do Gilberto eram, para nós, o máximo de tecnologia.
Em casa de meus pais não tínhamos nem eletricidade. A conexão com o mundo era feita via o rádio à pilha de meu pai; eventualmente reanimado à tapa.
Entre esses dois períodos, o de minha primeira aquisição musical e dependência do rádio e o da generosidade do Gilberto, tive uns anos de convívio com um tipo peculiar de cultura musical, a dos menonitas da colônia de norte-americanos de Rio Verde.
Lá e também em nossas vidas externas, estava proibida a música “secular”, a instrumental de qualquer espécie e a gravada de um modo geral. Isso, contudo, não significava exclusão da música por completo. Esses menonitas cultivam o cântico à cappella como uma obrigação religiosa e, o resultado é espetacular. Em casa, na igreja, na escola e, eventualmente, em outros espaços, o canto coral era, talvez, o único lazer coletivo dos menonitas.
Reuniões especiais para cantar em lares e, uma vez por mês, na igreja, eram realizadas. As vozes, cultivadas como cultivavam a terra, produziam, igualmente, resultados magníficos.
Claro, em concordância com os princípios menonitas, o solo era proibido não obstante o fato de que, mesmo no canto coral, algumas vozes se destacavam singularmente.
Dos livros de qualquer lar menonita tradicional, os hinários facilmente faziam a maioria.
Quartetos e até duetos eram permitidos em ocasiões especiais. A congregação inteira aprendia a ler notas musicais em aulas especiais. As notas nos hinários escritos pelos menonitas são diferentes do comum, de forma a facilitar a sua leitura.
Assim aprendi a apreciar a boa música e a valorizar as oportunidades quando ela se faz disponível.
Onaldo Alves Pereira

quinta-feira, 5 de março de 2009

De sapo a Príncipe!

Vivemos de beijar sapos. Até ai tudo bem, pois que alguns viram príncipes. Todos nós somos isso mesmo, sapos, que se beijados viram o príncipe que de fato já somos também. O problema começa, e não termina, quando não temos a paciência de esperar a transformação, mal beijamos um e já temos os olhos noutro e nisso perdemos o príncipe que vira para nós. Esquecemo-nos de que magia é um negócio que leva tempo para dar resultado; os bruxos e magos são imortais e não têm pressa. Beijar sapos é preciso, esperar que o mesmo venha a ser príncipe para o príncipe que há em nós é necessário.
Onaldo Alves Pereira

Sobre a obrigação de gostar

Assisti a uma cena que me entristeceu. Numa festinha de crianças a
mãe de uma delas lutava com o seu filhinho, tentando convencê-lo a
ficar num determinado grupo de coleguinhas, ao que o garoto
insistia: Mas eu não gosto daquele menino, apontando para um deles.
A mãe, apavorada, argumentava: Não diz isso meu filho, Deus castiga,
temos que gostar, que amar, todo mundo! O menino respondia chorando:
Mas eu não gosto!! Não gosto!
Que tortura! Com certeza ali se formava um fingidor, um hipócrita
social, amando um amor castigo!
Somos o que somos, nas nossas medidas, que podem mudar, mas por
convicção própria, não por imposição. Nada pior fez a religião com a
humanidade do que impor esse amor por mandamento, esse gostar
obrigatório! "Amamos a todos", mas continuamos a deixar crianças
morando na rua, favelas como sombras de bairros ricos e pagamos
salário mínimo, enquanto nossas religiões gastam milhões construindo
templos, comprando canais de TV e montando missões mundo afora. Essa
é a cara desse amor obrigatório!
Amar ou gostar é algo íntimo, individual e não cabe a ninguém julgar
os seus limites ou preferências. Amamos a quem amamos e gostamos de
quem gostamos. Dentro desses limites seríamos mais sadios e
verdadeiros, sem a monstruosidade dessas hipocrisias que acenderam
fogueiras, cometeram genocídios e padecem de um crônico divisionismo
denominacional.
Respeitar sim. Respeitar a todos os seres, as suas diferenças,
gostares e desgostares. Respeitar mesmo a quem se quer longe.
Respeitar até quem não respeita e, lidar com o tal de acordo com
esse respeito.
O círculo do amor e das afeições é pequeno e especialíssimo! O
círculo do respeito é infinito, complexo e desafiante. Mesmo o
respeito não deve ser um mandamento, apenas uma regra impessoal de
convivência minimamente desenhada para incluir todos.
Amar é viver, respeitar é sobreviver.
Onaldo Alves Pereira

A Morte

A visão tradicional da morte fala da extinção do corpo e da sobrevivência da alma.
Vemos, contudo, que nada é destruído de fato. Cada átomo do corpo é energia e vida que continua a se construir e a reconstruir eternamente. Esses átomos podem Ter vindo das estrelas e para lá estarem caminhando quando habitam determinada conformação que percebemos como corpo.
A alma é fabricada por Deus nesse contexto e fica depois em tudo onde habitou e foi tecida e vai além a mundos outros, realidade transcendental. Como Deus também a alma, que se faz corpalma e ao perder as bordas esparrama-se, transborda da vasilha e entra na Alma do Universo, fica no átomo e fica em Deus que a soprou, não perde a sua individualidade, embora a mesma seja feita completa como peça do quebra cabeça divino.
Onaldo Alves Pereira

terça-feira, 3 de março de 2009

A “morte” da flor

Com a finalidade de transformar a morte em instrumento de coerção, a religião criou um estado de terror para o processo natural do ciclo da vida. A flor murcha e “morre”. A ênfase nessa “morte” rouba um pouco da percepção das cores e do perfume da flor. Também, desvaloriza a continuação do caminho da flor, a sua decomposição e transformação em alimento para o restante dos seres ao seu redor. Exatamente esse momento de ampliação da flor é renegado, porque esbarra na idéia de sua “morte”.

Onaldo A Pereira

segunda-feira, 2 de março de 2009

Tamanho

O mito do tamanho é construído como símbolo de estruturação do poder. Esse mito é baseado numa mentira. Toda a vida é estruturada a partir do pequeno. Até hoje chegamos apenas a dividir o átomo, tem menos ainda na constituição da matéria. O gigante é constituído de átomos e de moléculas. O palácio é feito com grãozinhos de areia, a música de notas, o sentimento de impulsos nervosos, Deus de deuses.
Cria-se, contudo, a idéia de que o grande tem mais poder. Ora, um vírus derruba de forma invisível qualquer gigante, seja ele um indivíduo ou uma multidão. A maioria equivoca-se com mais facilidade do que a minoria. A histeria coletiva é coisa da massa, a minoria, no mais das vezes, segura a lucidez, guarda os valores básicos. A mancheia enche o pote, as gotas os litros, os sonhos constroem mundos e o indivíduo a humanidade.
Desmontar o grande, trazer ao chão o alto, dizer às sementes que voam que é hora de enterrar-se para que brotem, chamar os poderes para o serviço e o céu à terra, nisso queremos empenhar-nos.
Onaldo Alves Pereira