terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Parindo Deus

A beleza que nos surpreende num campo verde, como no sorriso de uma criança ou num corpo nu, afirma que o mundo faz sentido. De forma complexa, misteriosa, às vezes irritante, esse sentido não está numa fórmula científica ou num credo religioso, está diluído na vida e é experimentado por cada indivíduo de modo diferente. Por enquanto, parte apenas dessa experiência pode ser partilhada. É como se separados por milhares de quilômetros e por eras, muitos trabalhassem as peças de uma enorme colcha de retalhos. Pode-se ver a própria peça e a do vizinho e - liberdade magnífica, mãe de todas as artes, inclusive das religiões - imaginar-se a colcha completa!
Certo que essa forma de ver as coisas não dá a segurança dos dogmas, mas por isso mesmo é menos perigosa, pois não tem que converter e muito menos destruir a imaginação do outro, quando não o próprio outro.
É parte dessa imaginação essa bela expectativa pelo messias, pelo saoshyant, pelo mahdi, pelo maitreya, por nós mesmos, que traz notícias de como está ficando a colcha e nos diz como podemos ajudar a acelerar a sua fabricação.
Maria diz sim a uma dessas irrupções da imaginação. Muitos não percebem, mas Maria é a humanidade, todos nós estamos nela, engravidados de Deus e. ela é também o messias, o veículo que pare a notícia, a boa nova!
Ao percebermos esse lado da história saímos da platéia e nos tornamos parte da cena, descobrimos que todos temos em nós uma visão, que pode ficar cada vez mais clara, da colcha inteira. Ao passo que absorvemos essa visão nos tornamos cada vez mais tolerantes, mais inclusivos e pacientes conosco mesmos e com o mundo. Essa dor que às vezes parece ser só e injustamente nossa é da ferida que nos costura ao todo. Essa alegria que, sem motivo, se intromete nas horas mais incomuns é a percepção da costura. Esse íntimo reconhecimento do outro na sua diferença é o começo da consciência da totalidade. Aí parimos Deus para o mundo, somos o messias em nossos atos, abertura e curiosidade. Isso cura e alegra o mundo!
Que façamos desse Natal um momento de parir Deus e também de ver Deus sendo parido pelo outro!
Isso é alegria grande demais para um só. Ajuntemos-nos e façamos festa!
Onaldo Alves Pereira

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Você não é bolo de caixinha

Superabundam as receitas do bem viver. Como lidar com os filhos e filhas na infância e na adolescência. Como namorar, casar e separar. Como envelhecer e, até morrer.
Quase todas as receitas são prolixas nas recomendações e dogmas. Sobram os: faz isso, não faz aquilo.
Sujeitar-se a um desses métodos significa, muitas vezes, sobrecarregar-se ainda mais de expectativas, deveres e etc.
Fiz tudo certo e não obtive o resultado!
Não consegui obedecer as regras e deu no que deu!
O problema deve ser comigo.
Ele/a não tem mesmo jeito.
Até o mundo espiritual está no mercado com essas receitas: novenas, correntes, votos, etc.
Nunca o problema do não funcionamento da receita está nela, mas no pobre coitado que falhou em algum ponto.
Livros de auto-ajuda vendem uma felicidade e prosperidade sob medida. Seguidos os conselhos, você será e fará feliz!
Bobagem tudo isso!
Alguns conselhos até que podem ajudar, mas qualquer receita infalível só piora tudo. Você não é bolo de caixinha e olha que até esses, não obstante seguirem-se ao pé da letra as instruções, podem desandar.
Simplificar e naturalizar as expectativas, trazer para o chão os conceitos de felicidade e de bem-estar, contextualizar o dia-a-dia nos seus limites, sem anular os sonhos e nem deixar-se dopar por eles, isso sim, ajuda.
Mais feliz é quem melhor convive até com a própria infelicidade e é capaz de surpreender-se, grato, com as novidades que sinalizam novas possibilidades.
Onaldo Alves Pereira

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Como se fosse o primeiro amor

“Viva cada dia como se fosse o seu último”. Essa máxima, tão do gosto de quem pretende chamar para uma maior dedicação e qualidade no agir diário, usa como elemento valorizador a escatologia. A morte vira estímulo e o fim das coisas o seu qualificador.
Essa é uma mentalidade que desvaloriza a vida. Ao colocar a morte como o filtro final, a vida ganha o caráter de qualquer coisa, fica dês-importante a não ser sob a foice da “madame”.
Talvez fosse preciso aprender que cada dia é um valor em si, que não carece pressão escatológica alguma para ser o melhor.
Além disso, se algum estímulo é necessário, que tal apelar às primeiras coisas. Viva hoje como se fosse o primeiro dia de sua vida, o primeiro amor, a primeira viagem etc!
Onaldo Alves Pereira

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O melhor da vida

Bom é não ter poder de barganha, nada a oferecer e nem como retirar algo e, ainda assim, ser amado.
Quando não se pode dar nada em troca, nem se tem em vista qualquer vantagem, fica-se seguro no Melhor da vida.
Nisso Deus sorri garboso em nossas almas!
Onaldo Alves Pereira

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O euzinho e o euzão

O euzinho/euzinha precisa ser redimensionado para chegar a ser “eu” e, passar a elaborar o processo de vir a ser “euzão”.
O euzinho, negado e sufocado, precisa cada vez mais de auto-afirmação e desenvolve atitudes e comportamentos destrutivos. O espernear-se sob o peso do que o pretende diminuir provoca estragos terríveis. Os cortes para fazê-lo caber na forma social ou religiosa causam sofrimento.
O “eu” é do tamanho desenhado pela Boa Mente de Deus. Tentar anulá-lo ou diminuí-lo é lutar contra a dignidade divina dos seres imaginados por Deus.
O eu, do tamanho criado, é uma semente apenas de algo maior que se desenvolverá até a plenitude de Deus em nós.
O “euzão” é o eu de Deus no mundo.
Onaldo Alves Pereira

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Sapato apertado

Na vida, esse sapato apertado!
aperto que sinaliza a necessidade de se fazer espaço para mais,
crescimento que torna pequeno o que o trouxe até aqui
desconforto que honra os sapatos velhos sem, contudo,
carregá-los avante
aperto que desafia a mudar
que da dor traz o novo
belas oportunidades
Sapato apertado pede arrego
calçado novo ou pés descalços
oferecidos a caminhos amplos
vida que é mais que os veículos que a calçam
Entender isso favorece a vida e alivia suas dores.
Onaldo Alves Pereira

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Benzer

Benzer
Eleva a mão devota
a meio caminho coça o nariz
e vence o prurido
mais uma vez vai a mão
e o dedo entra na narina
perturba o catarro seco
Em nome do Pai
obedece, enfim, a mão
fica, porém, a dúvida
que impura possa
benzer o corpo que coça
espirra e tosse.
Onaldo Alves Pereira

Peito

Peito
O céu arrebenta de lua
e serena nas folhas
cada uma um céu

O coração racha de enlevo
e vaza nos olhos
luares de amor

O beijo que se segue, molhado
é lua no peito rachado
de tanto amor.
Onaldo Alves Pereira

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O ideal é o comum

Como em todos os setores da vida, também na espiritualidade existem modismos. Um deles, que sempre volta à tona, é a busca da santidade, da perfeição, da iluminação etc. No auge dessas tendências, cada um inventa seus santos, mestres, avataras e guias. Outros, mais ousados, se oferecem como o “especial” do momento.
Tenho para comigo que essa viagem é uma fuga, uma fantasia que estica a nossa adolescência. O ideal humano e divino é o comum de tudo, o que não faz alarde e nem quer aparecer como mais que nada. Ama, odeia, sofre, goza, fica entediado, anima-se, erra e acerta meio-a-meio.
Recebi, num mesmo dia, dois panfletos com o título: Pare de sofrer! Um de uma igreja evangélica e o outro de uma cartomante. Entrei a meditar no assunto. Trabalho com gente há anos. Convivo com o meio religioso a vida inteira. Nunca vi alguém que parasse de sofrer! Mudam de jeito, fazem ajustes, mas continuam a sofrer, a adoecer e morrem todos, crentes e macumbeiros. Tanto é assim que continuam todos na demanda por soluções e não caem as freguesias das igrejas ou dos curandeiros.
A vida é isso, por mais que inventemos remédios custosos ou milagres.
Alguns optam por criar uma versão cor de rosa de tudo. Você já encontrou o tipo que só fala no diminutivo: meu irmãozinho, amorzinho, bemzinho etc. E, sem nunca ter encontrado você diz que lhe ama, que ora todo dia por você e coisas semelhantes?! Pois é, essa é outra fantasia, inócua e folclórica como as outras.
No comum, que também, vez ou outra, resvala para os extremos e até se converte a isso ou aquilo de especial, está o ideal humano. Ser o que se é sem desculpas ou muletas, desestressa e alivia o mundo dos fanatismos e divisões entre bons e maus, salvos e perdidos.
Se há algo muito especial nessa vida é o sair do armário das especialidades, o assumir-se humano e abraçar essa experiência única e forte que é ser o que somos.
Onaldo Alves Pereira

Felicidade

A felicidade é definida como ausência de sofrimento. Na realidade, esse estado não existe e muito menos o desligamento das condições humanas. Tal felicidade é mentira. Felicidade é viver, sem culpa ou repressão desnecessárias, as situações da vida. Sofrer, chocar-se, angustiar-se com humana sinceridade, mas sem destruir, sem entregar-se aos extremos, tanto quanto possível. Ter consciência do próprio sofrimento. Isso é felicidade!
Onaldo Alves Pereira

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Descomprometer-se

Descomprometer-se com as estruturas que pretendem ordenar a vida é bom!
Essas estruturas, na maioria das vezes, complicam desnecessariamente o andamento das coisas, amarram sem necessidade e concedem poder destrutivo a uns poucos.
Partidos, organizações religiosas, governos, etc, a menos que sejam reinventados, são inimigos do livre fluxo da vida. Algo que poderia, facilmente, e sem maiores atropelos, ser resolvido em um dia, quando cai nas mãos dessas estruturas perde-se num emaranhado de carimbos, papéis, assinaturas, consultas, negociações e, além de ficar caro, estressa e adoece!
O que chamam de democracia, por exemplo, é a arte da enrolação por excelência e o maior concentrador de poder que há. Ela cria autoridades “divinizadas” pelo voto popular, entidades intocáveis e tiranas que ficam mais fora do alcance popular que os deuses. Discute ignorantemente e ao infinito as coisas mais simples. Cria leis das quais se esquece logo de imediato. Formaliza e ritualiza banalidades. Pretende legislar sobre bobagens tais como: quem pode conviver com quem amorosamente, o uso ou não de roupas, etc. Tudo isso é feito com pompa e ares de suprema importância. O que seria apenas um detalhe técnico, ou de gosto privado, ganha uma dramaticidade completamente idiota. Os cargos executivos deveriam ser preenchidos por profissionais com formação para tal e concursados, o legislativo enxugado radicalmente e racionalizado e, o judiciário des-ritualizado e simplificado.
Reuniões sem fim repetindo ad nauseam assuntos desagradáveis. Reuniões para marcar reuniões. Papéis e mais papéis desperdiçados com nonsense que jamais será lido por alguém. Livre-se disso, desse vício que amargura as almas e empobrece as mentes!
Existe algum movimento visando desconstruir tudo isso? Una-se a ele!
Desconfie, contudo, de reuniões de mais de uma hora ou muito freqüentes, tarefas demais e de discursos milagrosos.
Religiões que exigem muito tempo, obrigações, ritos e sacrifícios?! Fuja delas! São vampiros do espírito. Tornam as pessoas imprestáveis e dependentes para fazer delas zumbis a seu serviço. Você nunca irá a uma dessas que não lhe diga que está na pior e precisando urgentemente de seu socorro! Cada uma é única e insubstituível e seus “donos” portadores da “verdade”!
Vai abrir conta em um banco, comprar bens ou serviços? Opte pelo que pedir menos documentos, assinaturas e garantias e faça-lhes saber isso!
Fuja de complicações! Evite burocracias! Seja inimigo declarado do estado grande, essa monstruosidade anacrônica! Prescinda dele em tudo que puder e viva de tal forma a ter que pagar o mínimo de impostos possível!
Essas monstruosidades criaram e vivem da miséria e violência que estão aí!
Por outro lado, apóie entusiasticamente as novidades simplificadoras em todas as áreas, regras poucas e claras, o que vem escrito em poucas palavras, o que gasta pouca conversa para resolver, o que flui naturalmente no ritmo da vida! A iniciativa privada, a ciência, o rápido e informal são salutares.
O seu tempo, emoções e forças são para o bem, para a criação de beleza e prazer! Não permita que lhe roubem a vida. Não jogue a vida no lixo das estruturas complicadas!
Onaldo Alves Pereira